quinta-feira, 16 de agosto de 2007

DIREITO SOCIETÁRIO – PARTE I

DIREITO SOCIETÁRIO


 

1 – Teoria Geral do Direito Societário

  1. Conceito de Sociedade Empresária


     

    Para se chegar ao conceito de sociedade empresária, precisamos analisar dois institutos jurídicos que servem de alicerce. O primeiro é a pessoa jurídica, o segundo a atividade empresarial. Somente com a reunião desses conceitos podemos chegar à definição de sociedade empresária.


     

    No direito brasileiro, as pessoas jurídicas podem ser divididas em: de direito público interno, de direito público externo e de direito privado. As pessoas jurídicas de direito púbico externo são os Estados estrangeiros e todas as pessoas jurídicas que estejam submetidas ao direito internacional público, a exemplo da Organização das Nações Unidas. As pessoas jurídicas de direito público interno, por sua vez são: União, Estados, Municípios, Distrito Federal, Territórios, autarquias e entidades de caráter público criadas por lei, ex., as fundações públicas. De outro lado temos as pessoas jurídicas de direito privado, assim compreendidas: associações, sociedades, fundações, organizações religiosas e partidos políticos (art. 44, CC).


     

    A principal diferença existente entre as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado baseia-se na supremacia dos interesses da coletividade, do interesse público. As pessoas jurídicas de direito privado estão submetidas a um regime caracterizado pela isonomia, inexistindo valoração diferenciada dos interesses defendidos por elas.


     

    As fundações, que constituem uma reunião de bens voltados a fins religiosos, morais, culturais e de assistência (universitas rerum), podem ser públicas ou privadas (art.62, CC)


     

    As associações e sociedades caracterizam-se pela união de pessoas, universitas personarum. Enquanto as associações tem finalidades culturais, educacionais, artísticas, desportivas, dentre outras(art. 53, C.C), as sociedades tem como fim o lucro.


     

    Como se percebe, as sociedades se distinguem das associações e das fundações de acordo com seu escopo negocial, tendo por objeto social o desenvolvimento de atividade típica de empresário, ou seja, exercem profissionalmente atividade econômica organizada voltada à produção e circulação de bens ou serviços (arts. 966 e 982, C.C.), subdividindo-se em sociedades simples e empresárias.


     

    A diferença existente entre a sociedade simples e a sociedade empresária encontra-se no modo como é realizada a exploração de sua atividade. Se esta for desenvolvida com organização profissional dos fatores de produção (capital, insumos, mão-de-obra e tecnologia), será empresária. Se não forem encontrados esses fatores, será ela considerada como sociedade simples. Da mesma forma se ela se enquadra na hipótese prevista no parágrafo único do art. 966 do Código Civil.


     

    Convém relembrar que existem duas exceções a essa regra, pois as sociedades anônimas sempre serão consideradas empresárias, por força de lei, bem como as cooperativas serão sempre sociedades simples (art. 982, parágrafo único).


     

    Assim, a sociedade empresária é identificada pela "pessoa jurídica de direito privado, implementada por um contrato, cujo objeto social é a exploração de atividade empresarial, ou que, independentemente de seu objeto, adota a forma societária por ações." (Fazzio Junior, Waldo. Manual de Direito Comercial. 3ª. Ed. – São Paulo: Atlas, 2007)


     

    Ao contrário da pessoa natural que surge no momento do nascimento com vida, a pessoa jurídica, no caso, a sociedade empresária, é um ente que nasce em decorrência de um contrato e sua personalidade jurídica surge com o seu regular registro na Junta Comercial.


     

    1.2 - PRINCÍPIOS DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA


     

    A sociedade empresária é regida por princípios reitores, dos quais decorre todo o regramento e demais princípios. Os demais são princípios orientadores, encontrados implicitamente no ordenamento, aceitos pela doutrina e jurisprudência, como parâmetros de interpretação e atualização das normas que regem a atividade empresarial.


     

    1.2.1 - Princípios explícitos (reitores)


     

    a – Contrato social plurilateral


     

    O contrato de uma sociedade empresária é um pacto diferenciado em relação as demais modalidades contratuais, vez que dirigido à formação de uma pessoa jurídica. Da mesma forma, diverge dos outros contratos de sociedade porque a pessoa jurídica é afetada por uma destinação empresarial.


     

    Ora, a sociedade empresarial é uma pessoa jurídica que agrupa pessoas física e/ou jurídicas interessadas em alcançar o lucro mediante a exploração de uma atividade econômica. Não se trata simplesmente de uma sociedade comerciante, mas de titularização de uma organização dirigida à produção e circulação de bens e/ou serviços. É um contrato plurilateral de organização.


     

    O contrato de sociedade empresária não pode ser confundido com um contrato bilateral, à medida que estes embutem conflitos de interesses que normalmente convergem pretensões antagônicas das partes e não estão abertos a adesão de outros interessados. Já no contrato plurilateral existe um paralelismo de intenções, onde os objetivos são comuns a todos e são abertos à adesão de outros interessados. Existe uma contratação com outros participantes e não com uma parte contrária, e com um ente que está para se criar, que é a sociedade. Cada integrante pode ter interesses contrastantes com os demais, mas todos os amoldam por meio de um objetivo comum, criando um novo sujeito de direito, que é sempre a sociedade.


     

    Frise-se que pluralidade não tem correlação com o número de intervenientes, mas com a viabilidade de participação de um número indeterminado de partes, podendo, eventualmente, ser reduzido a dois o número de sócios, sem que haja desnaturação desta singularidade. O contrato será, neste caso, plurilateral em virtude de seu objeto aglutinador, a convergência para exercício da empresa com o fito de lucro.


     

    Da mesma forma ocorre nas sociedades por ações, cujo ato conceptivo é o estatutário. O estatuto social também tem essência contratual, diferindo das outras sociedades formalmente, apenas. O estatuto social é um contrato institucional, firmado por escritura pública ou deliberação por assembléia, onde duas ou mais pessoas contribuem para a formação do capital social, adquirindo o direito de auferir lucros derivados da prática empresarial desempenhada pela entidade.


     


     

    b – Personificação Jurídica


     

    A pessoa jurídica é o resultado de uma ficção da lei, necessária para atribuir personalidade e regime jurídico próprios a entes coletivos, tendo em vista a persecução de determinados fins.


     

    Como já afirmado anteriormente, entre as pessoas jurídicas de direito privado estão as sociedades empresárias. Sua personalidade jurídica começa com o registro, cujos efeitos retroagem à data do ato constitutivo, ou seja, somente com o arquivamento na Junta Comercial é que a sociedade adquire o direito de ser, de existir, no mundo jurídico. Como sujeito de direito pode, em virtude de atribuição legal, praticar atos jurídicos não vedados por lei. Seus sócios mantêm relações jurídicas entre si e com a nova pessoa que produziram. Frente a terceiros, é a sociedade que negociará, respondendo com se próprio patrimônio, pelos encargos contraídos, podendo estar em juízo. A sociedade é um núcleo de atribuições jurídicas com regime próprio, tendo vida e vontade real.


     

    Como uma pessoa jurídica dotada de personalidade jurídica própria, pode esta intervir no universo jurídico, por meio de seus membros, possui patrimônio autônomo em relação a seus integrantes, acarretando a irresponsabilidade relativa ou mitigada destes pelos encargos contraídos pela sociedade. No entanto, a isenção dos sócios, efeito da personificação jurídica, não vigora, quando se trata de encargos que ultrapassam o singelo campo dos negócios e afetam interesses superiores como o público, o social e o difuso.


     

    Juntamente com a personalidade jurídica, que é atribuída à sociedade empresarial a partir de sua regular criação e constituição, advêm múltiplas conseqüências:


     

    a - A sociedade é um sujeito capaz de direitos e obrigações: pode estar em juízo, contratar e se obrigar;

    b - A sociedade tem individualidade: não se confunde com a pessoa natural dos sócios que a constituem (art. 20, CC);

    c - A sociedade tem patrimônio próprio que responde ilimitadamente por seu passivo; e

    d - A sociedade pode modificar sua estrutura jurídica e/ou econômica, adotando outro tipo de sociedade, como também, pela retirada, substituição ou ingresso de sócios.


     

    Assim, como resultado dessa personificação, pode-se atribuir três aspectos de sua capacidade:


     

    a – titularidade jurídica negocial: quando um sócio realiza um negócio jurídico, representando a sociedade é esta quem celebra o negócio, vez que é um sujeito de direito autônomo em relação aos sócios;


     

    b - titularidade jurídica processual: a sociedade é capaz de estar em juízo, ativa e passivamente.


     

    c – titularidade jurídica patrimonial: possui patrimônio próprio e inconfundível com os dos sócios, respondendo com ele


     


     

    Necessário ponderar que, em regra, os sócios não respondem pelas obrigações da sociedade. No entanto, esta regra pode excepcionar caso o patrimônio social revele-se insuficiente para cobrir o passivo da sociedade. Nesta hipótese, a lei prevê a responsabilidade subsidiária, ou seja, os sócios responderão se a sociedade não tiver com que responder, ou responderão pelo que a sociedade não tiver forças para responder.


     

    Oportuno relembrar que a personificação jurídica emana do registro e a sua falta significa a inexistência daquela. A doutrina reconhece esse tipo de sociedade não personificada como sociedade em comum (irregular ou de fato). Sua existência informal acarreta-lhe as seguintes restrições:


     

  2. Não possui legitimação ativa, como sociedade, para requerer a falência de outro empresário;
  3. Não pode desfrutar do benefício da recuperação previsto na lei falimentar;
  4. Sua escrituração não tem força probatória;
  5. Incidirá em crime falimentar em caso de insolvência;
  6. A responsabilidade dos sócios será sempre ilimitada e solidaria, pelos encargos sociais, excluindo-se, ainda, o benefício de ordem daqueles que não contrataram em nome da sociedade;
  7. Os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum;
  8. A existência da sociedade somente poderá ser provada, pelos sócios, mediante documento escrito, enquanto que os demais poderão prová-la de qualquer modo;
  9. Não pode contratar com o Poder Público;
  10. Não pode emitir nota fiscal, incidindo em sonegação fiscal.

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